20091105

o guerrilheiro intraduzível e a Igbo cosmopolita

o texto mais recente de José Luandino Vieira, "O Livro dos Guerrilheiros" (Caminho), assenta mais uma vez no seu território de escolha, a luta de guerrilha dos angolanos contra o Estado português, entre 1961 e 1974, mas tem uma ambição particular. Luandino leva para um pouco mais longe do que nos seus livros anteriores o esforço de encontrar um lugar específico na língua portuguesa para o imaginário angolano e para os modos como este pode ser aplicado num texto em português. O imaginário do guerrilheiro, do angolano, a sua forma intima de pensar, e a aplicação destes em linguagem, desafiam Luandino a uma reinvenção do português, não só na escolha das palavras, onde os termos em quimbundo namoram com os termos em português, mas especialmente na construção da narrativa, isto é do modo como frases, trechos, descrições e narrações são fixadas no papel. Há todo um outro português que constrói a história, que corresponde exactamente ao modo como o angolano molda o português à sua cultura. No entanto, perceber a riqueza deste trabalho narrativo de Luandino só é possível para quem conheça bem os angolanos. Chimamanda Ngozi Adichie tem uma estratégia completamente distinta. Nigeriana, pertencente à etnia Igbo, também ela tem vindo a desenterrar, ou a não deixar enterrar, pedaços importantes da história recente do seu país. Em "Half of a Yellow Sun",Chimamanda conta a guerra do Biafra, a partir das experiências pessoais de alguns dos seus familiares. Ao contrário de Luandino, Chimamanda só tem ambições ao nível da espessura da sua história, desvalorizando o modo de a escrever. Emigrada nos EUA, onde estudou e agora ensina escrita criativa, Chimamanda escreve em inglês, e o seu estilo narrativo cumpre os padrões literários clássicos ocidentais.  Assim, temos em confronto dois modos de trazer a memória para o presente e de a partilhar através da literatura. O texto de Luandino é uma obra de ourivesaria literária de nível superior, mas é praticamente intraduzível e de leitura difícil para estranhos à realidade angolana. A memória da luta de libertação continuará a ser um pedaço de vida conhecido de uma minoria em extinção. O texto de Chimamanda não luta com as regras estabelecidas da forma e da linguagem, mas foi um êxito mundial. A guerra do Biafra pertence hoje à história mais conhecida do mundo. 

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