20120906

Nadine revela a escuridão

O novo romance the Nadine Gordimer, No time like the present, recentemente editado, ainda sem versão portuguesa, é sombrio. A escuridão revelada pela trama não podia ser mais cruel para aqueles a quem África toca, a de que as sociedades africanas contemporâneas são incapazes de funcionar.
Nadine tece uma estrutura narrativa particularmente sólida, assente num casal misto, ele judeu branco sul africano, ela zulu, que participou na "luta", ou seja na guerra armada contra o apartheid, e está agora inserido na classe média do país do arco-íris. A estrutura de Nadine não está submetida a um objectivo de virtuosismo ficcional, como é o caso de "Disgrace" de Coetzee. Pelo contrário, Steven e Jabu, o casal, servem apenas de eixo para a acomodação do que é hoje a áfrica do sul, permitindo uma longa digressão da autora por aqueles que considera os sinais mais fortes de que o país está em agonia. A questão central é, sem dúvida, a de que a nova sociedade multi racial justa e funcional prometida pelo ANC, e pela qual os seus militantes lutaram e morreram, é um sonho adiado, e que possivelmente nunca será concretizado. A partir daqui, Nadine usa a narrativa para rodar os sinais. Surgem primeiro os mediáticos, como a asfixia permanente causada pela insegurança, e depois os mais ocultos, entre eles a incapacidade de tirar os cidadãos da pobreza, o falhanço das medidas de promoção empresarial e educativa dos negros, que só leva a que sejam admitidos nas universidades e empresas pessoas sem qualificação para tal, e a xenofobia, causada pelo desemprego, que desencadeia os ataques sistemáticos aos zims, cidadãos do Zimbabwe, moçambicanos e congoleses.  Todos os sinais assentam no cenário da incapacidade e da corrupção moral e efectiva do ANC, personificada em Zuma, o actual presidente. Mandela quase não existe na narrativa. Steven e Jabu acabam por encarar que a única saída é a emigração, ou seja o abandono de uma vida dedicada.
Duas ideias ficam-me com a leitura. A primeira é a de mais uma revelação de que as sociedades africanas contemporâneas continuam a não mostrar uma capacidade de serem funcionais. O patamar procurado nem é o da democracia sequer, mas o da segurança dado pela existência de poderes efectivos, que assegurem uma regulação e uma confiança mínimas. Não trazendo sequer a página o que se passa no Zimbabwe e no Congo, pense-se a partir destas últimas eleições angolanas, ou dos relatos de Noo Saro Wiva sobre a Nigéria.  
A segunda ideia tem a ver com a nossa ficção em língua portuguesa. Continuamos a não ter ficcionistas que juntem o rigor da escola realista com a ambição de contar a contemporaniedade. Ou seja, não temos acesso ao que se passa hoje nos lugares mais importantes dos países africanos que falam português.

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