20101031

notas de um perseguidor de livros, revistas e jornais

Os perseguidores dos objectos citados no título deste "post" nunca tiveram uma vida simples no nosso país. Lembro - me de que na época em que Portugal estava ainda na pré - história do cosmopolitismo globalizado, à volta de 1990, quando não existia ainda internet e o avião era um transporte de elite, decidi fazer uma assinatura da revista "The New Yorker". Intensas negociações foram necessárias, por telefone também ainda, e a coisa acabou com o preço de 20 "bucks", mas mais 212 de portes de correio, quando os "greens" eram uma moeda forte. Aliás, o mais grave é que a revista, semanal, era - me amiúde roubada pelo carteiro da estação do Estoril, o que me fez perder tardes e tardes para resolver o crime. Enfim, contos da pré - história, novamente. Hoje, as coisas são totalmente diferentes, mas ainda se conseguem manter algumas das dificuldades, isto é da beleza do mistério de passado recente. Uma é a de vasculhar jornais e revistas em papel, em busca das coisas extraordinárias que se publicam todos os dias. O meu método é o de acumular várias edições do "Financial Times Weekend", lê - los todos de uma vez, e recortar os pedacinhos de papel referentes a livros que podem interessar, para depois os pesquisar através de fontes online. Foi o que andei a fazer esta tarde, e devo dizer que esta colheita de fim de Outubro é entusiasmante. Temos antes de tudo o mais "Kamchatka", do argentino Marcelo Figueras, que volta ao tema da guerra suja argentina, o período da ditadura militar, visto por os olhos de uma criança, com um enorme fascínio por Kamchatka, uma cidade russa presente no jogo de mesa "Risco". Este texto interessa - me particularmente por lidar com uma tentativa de transportar para a ficção objectos e manifestações, neste caso o jogo Risco, que fazem parte da nossa vida. Tenho tentado fazer o mesmo com obras de arte, videojogos e músicas que me tocam, sem no entanto, acho, grande sucesso. Segue -se "Every Secret Thing", de Gillian Slovo, a ficcionista sul - africana, filha de Joe Slovo um dos primeiros brancos sul - africanos anti apartheid. O livro é a história da familia de Gillian, ou seja também uma história do apartheid. Mais uma vez, o texto interessa - me por razões particulares. Acredito que através das memórias de sul - africanos, nigerianos e outros conseguimos ir um pouco mais longe no conhecimento da África portuguesa no século xx, e colmatar assim a falta de memórias e biografias que temos.  "Air", de  G Willow Wilson, é outro universo. É aquilo que agora se chama uma "graphic novel", que lida com o sonho e as realidades alternativas, e que nós no antigamente dizíamos ser BD. Esta distinção é importante, já que G Willow Wilson vem da escola americana, que nos últimos 10 anos se colocou a léguas, em potência do argumento e qualidade do traço, da escola franco - belga, que é a minha. Enfim, é a vida. "The SS: a New History", do historiador Adrian Weale, chamou - me à atenção por se dedicar ao conhecimento de uma das forças mais profissionais de investigação e informação da história recente, e que hoje parece ter sido soterrada na história, a não ser nos círculos skinheads. O que mais me interessa são os métodos de obtenção de informação das SS, especialmente a tortura, já que esse é um dos objectos da minha tese de doutoramento. "Stalling for Time" é puro "vintage" editorial norte - americano, neste caso as memórias de um negociador de reféns do FBI. É extraordinário como os americanos conseguem pegar em vidas interessantes, e usando técnicas perfeitas de recolha de informação e tratamento de texto, gerar obras que nos prendem da primeira à última página. Tenho tentado partilhar estas técnicas no mercado português, gerando o entusiasmo em alguns aprendizes, mas sem grande sucesso junto das editoras. Por último, "The New Machiavelli: How to Wield Power in the modern world", escrito por Jonathan Powell, que foi o chefe de gabinete de Blair. O conhecimento de como é efectivamente exercido o poder sempre foi prioritário para mim, porque é aquele a determinar o mundo em que vivemos. A obra de Powell vem muito bem referenciada. E fica assim concluída a recolha de uma tarde de prazer e trabalho. Como é bom folhear página atrás de página de jornal ou revista e fazer aquela descoberta iluminante que saiu mais um livro que nos possibilita grandes hipóteses de decifrar mais um bocadinho daquilo que nos intriga.

1 comentário:

  1. Ora aí está uma excelente técnica de "perseguição" de informação/inspiração.

    Não posso, no entanto, deixar de sentir uma certa pena do carteiro da estação do Estoril. Aposto que ele não tinha 232 bucks para comprar a revista. Coitadinho, caramba.

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