Será um grave erro
considerar o que actualmente se passa entre a aplicação Uber e os taxistas
europeus como um simples conflito entre operadores de transportes.
Na verdade, é um dos
primeiros sinais visíveis da profunda mudança estrutural dos mercados de
trabalho e dos modelos de negócio, ditada pela ruptura encetada pela tecnologia
e pelo algoritmo.
Recordando o contexto,
o Uber é uma aplicação para telefones inteligentes criada por uma empresa de
São Francisco, que, usando o GPS do aparelho, permite ao cliente ver quais os
táxis mais próximos num determinado momento em determinada localização,
escolher um deles, pagar a corrida também através do telefone, e avaliar a
qualidade do condutor e do serviço.
O Uber funciona num
grande número de cidades americanas, e também em algumas europeias, entre as
quais Londres e Paris, onde, esta semana, os taxistas encetaram greves, em
protesto contra a aplicação e o seu uso por parte dos clientes.
Claro que o conflito
Uber- Operadores de táxis é também um conflito entre operadores de um mercado.
A questão chave aqui é que os agentes da oferta perdem o controlo do mercado,
e, a este propósito, é de muito saudar a intenção de a Uber vir para Lisboa,
que bem precisa de uma aceleração veloz e radical do serviço de táxis, um dos
mais antiquados e deficientes instalados entre nós.
Assim, o que está em
causa, neste ponto, é que os agentes da oferta terão de se preocupar em
oferecer o melhor serviço, a começar pelo melhor condutor, porque o cliente
deixa de querer apenas o serviço. Na verdade, a partir do momento em que o
agente da procura pode previamente avaliar e escolher o serviço, o mercado muda
para sempre.
Mas é a face escondida
desta mudança que mais nos deve fazer reflectir no fenómeno Uber. De facto, é
totalmente límpido neste exemplo, o que é raro, que o factor decisivo é a
tecnologia, e o algoritmo que coloca em acção.
A capacidade da
aplicação situar o cliente, localizar o melhor carro, fornecer dados sobre a
sua qualidade, partilhar o preço, e processar a transacção, mostra como a
inteligência artificial pode executar melhor que os humanos, e mudar de forma
estrutural um contexto laboral e de mercado.
É precisamente para
esta vertiginosa mudança silenciosa, e tenho sempre resistido a usar neste
texto a palavra revolução porque penso que não será apenas uma ruptura, mas uma
mudança para sempre, que alguns autores têm tentado chamar a atenção.
Um dos mais consistentes é o economista Tyler
Cowen que no seu livro “Average is Over: Powering America Beyondthe Age of the Great Stagnation”, tenta partilhar os dados que tem e a previsão
em que aposta para o futuro dos mercados de trabalho ocidentais a muito curto
prazo.
A tese central de Cowen, que aqui simplifico,
é que o aumento brutal da capacidade da inteligência artificial fará com que as
máquinas entrem em funções que até aqui se acreditava serem propriedade humana
exclusiva, e sejam capazes muito rapidamente de substituir ou de fornecer
alternativas melhores ao desempenho profissional humano.
No
livro citado, Cowen dá um exemplo muito semelhante ao do Uber, relacionado com
os médicos, quando explica que no momento em que existir uma aplicação que
permita a avaliação dos médicos por parte dos pacientes, a profissão muda
radicalmente.
Ainda segundo Cowen, existem dois efeitos
imediatos provocados pela ascensão das máquinas. O primeiro é que em muitas
tarefas profissionais, os humanos serão substituídos. O segundo é que os
profissionais com êxito serão aqueles capazes de trabalhar em parceria com as
máquinas, trazendo o pequeno valor acrescentado tão importante que a máquina
não consegue gerar.
Ou seja, os condutores de táxis que sejam
capazes de processar os padrões fornecidos pelo algoritmo do Uber e se sintam eficientes,
capazes de estar no sítio certo, e competentes para serem escolhidos pelo
advogado Ribeiro, que semanalmente viaja de São Paulo para Lisboa, vai de
metropolitano do Aeroporto para a Avenida da Liberdade, e depois de táxi para
Évora.