A conjuntura política e económica nacional é intolerável. Duas forças decisivas adoptaram estratégias insustentáveis e estão dispostas a ir até ao fim na defesa dos seus interesses. A primeira força é a dos funcionários públicos, e a sua estratégia é a de recusar participar na austeridade. A segunda força é a do Governo, e a sua estratégia é a de não querer reformar o Estado. Deste nó górdio, apenas pode resultar o caos.
A primeira força revela ter adoptado de modo delirante a fuga para a frente. As revelações, públicas o que ainda é mais fantástico, de corpos públicos de elite, como os juízes e os polícias, de que recusam acatar as medidas de austeridade, são inaceitáveis. A estes corpos de elite, sucederam -se os sindicatos, os directores de escolas e todos os outros, que através do litígio judicial querem impedir a aplicação da austeridade. Quanto a mim, é uma posição extraordinária. Na verdade, não há fuga possível. As contas públicas, o Estado, estão falidos, o que é reforçado por agentes económicos privados débeis, incapazes de inverter a nossa tendência económica depressiva. A única posição possível é a de aceitar o sofrimento e o sacrifício. Para a minha geração, a que tem agora 40 anos, não há outro caminho. Como sabemos desde 1990, esperam -nos pelo menos duas décadas de vida numa economia pobre, com tudo o que isso implica. Mas aceitar a realidade não deve ser uma validação para a adopção de estratégias absurdas. Cabe - nos aceitar o sacrifício com lucidez e dignidade, e tentar fazer o melhor para que os nosso filhos tenham acesso a um país melhor. A segunda força decisiva, o Governo, que tem o poder de decisão administrativo no Estado, mantém uma estratégia de enterrar a cabeça na areia, por calculismo e cobardia política. Na verdade, não é possível pedir sacrifícios, como o aumento dos impostos e a redução do salários, e manter os privilégios de uma gigantesca minoria e de um sistema, o estatal, obeso e ineficaz. O encerramento de estruturas desse sistema e o despedimento de funcionários são condições obrigatórias. Em simultâneo, é imperial a extinção imediata de privilégios supérfluos e irracionais perante a conjuntura em que vivemos. Refiro - me, só para dar alguns exemplos impressionistas, a despesas de representação, prémios e bónus, despesas secundárias, viagens e uso de viaturas oficiais excepto em deslocação oficial fora da área de trabalho do funcionário. A segunda força decisiva não fará nada disto porque, tal como todos os seus congéneres, o partido a que pertence depende do Estado para assegurar a sobrevivência e o trabalho dos quadros desse partido. E é este beco constitucional que mina por dentro o nosso país. Parece - me, pessoalmente, que a única saída é uma associação temporária da sociedade civil, unida num movimento que, respeitando a ordem constitucional, obrigue materialmente os partidos a adoptarem as estratégias que querem evitar a todo o custo. O voto em branco nas eleições legislativas e a recusa de pagar qualquer serviço estatal parecem - me ser medidas prioritárias. Os cidadãos têm de dizer claramente aos seus representantes: "Acabou, rapazes".
É intolerável e é chocante que as elites supostamente instruídas, educadas, cultas e colocadas aos vários lemes dos destinos deste país - juízes, altos quadros dirigentes públicos e privados, políticos, professores, médicos - continuem a ser aqueles que sem pudor e sem escrúpulos mostram abertamente uma luta sem tréguas pelo poder, pelo dinheiro e pelo estatuto, sem ética e sem moral, sem respeito pelo bem comum e sem preocupação pela herança deixada às gerações vindouras.
ResponderEliminarNo meio do caos total ainda é isto que mais choca e que menos compreendo.
(desculpa se o desabafo é excessivo) :)
cara dulce, o teu comentário é mais do que certo. Penso exactamente o mesmo.
ResponderEliminarMas em que belo imbróglio estamos metidos...
ResponderEliminar(p.s. gostei do "nó górdio" )
Não pagar qualquer serviço estatal, implica se bem entendo uma insurreição civil. E o que se faz no dia seguinte? Que projecto cabe continuar tal revolta, e sublimar a mesma de forma cívica e institucional?
ResponderEliminarexcelente pergunta
ResponderEliminarPois lembra o "Que Fazer?" não é verdade. Certo é que temos hoje em dia recursos interactivos que permitem obter consensos algo voláteis, de cidadãos no seu melhor enquanto amadores da política. Por outro lado tal informalidade e confusão, suscita em última análise a morte do especialista, ou a sua crise, e se assim o entendermos da ciência. O rigor desaparece numa plétora de opiniões e equívocos. Lembraria assim uma nova Idade Média, tão bem comentada por Vacca, e citada por Eco. Gostei da coragem do teu texto, e do seu final ágil. Sou pessimista e recordando Platão ou mesmo Vico, estamos eventualmente condenados, a ciclos e espasmos, de democracia e ditadura. No Ocidente ainda arde talvez trémula a chama de 1789, mutatis mutandi;, não obstante.
ResponderEliminar"mutandis" sorry...
ResponderEliminargostei de ler, devias escrever mais estas tuas opiniões sempre muito actuais e certeiras, mas não posso concordar contigo num ponto, a que "a unica solução é aceitar o sofrimento e o sacrificio", para quê? como tu dizes, para continuar a encher os que só querem o poder sem olhar a meios, para continuar a criar elites? vê o caso do Egipto, o nosso em 1974, achas que eles aceitaram o sofrimento e o sacrificio? e durante quanto tempo? existe um limite para isso e o nosso está quase a rebentar, não devemos aceitar nunca, mas sim lutar sempre. e estou calmo, caro José :-)
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