Foi em 1965 que Sol Yurick, um escritor contemporâneo injustamente esquecido, publicou "Os Guerreiros". A história, modelada num clássico grego, trabalha essencialmente na descrição do regresso a casa através de território desconhecido e hostil de um "gang" juvenil de Nova Iorque. Yurick, que depois de Asbury é talvez o ficcionista que melhor conheceu o imaginário, o pensamento e a acção dos membros de gangs, concentra - se no que provoca a violência contínua exercida pelos guerreiros ao longo do seu caminho. Em termos muito simples, os guerreiros estão longe de casa, o que lhes provoca medo e, ao mesmo tempo, num paradoxo que nunca conseguem resolver, vontade de exibir valentia. Não há manual de compreensão mais adequado para a periódica violência de Verão nos transportes públicos e zonas costeiras da área metropolitana de Lisboa do que a ficção de Yurick. Na verdade, os nossos guerreiros metropolitanos fazem nos dias de calor um longo percurso que os afasta de casa, que os afasta muito de casa. O medo e a bravata, a necessidade de mostrar as suas medalhas, dominam -nos. Deste modo, o fenómeno que é já uma tradição metropolitana lisboeta de Verão não deve ser reduzido apenas a um objecto de segurança, ao contrário do que tem sido até agora, e também não se deve esperar que tenha alguma resolução eficaz. Na verdade, se excluirmos o facto de que a verdadeira questão é a de que porque razão temos guerreiros, tema que suplanta o espaço deste post, o fenómeno é, antes de tudo o mais, uma consequência da mobilidade urbana. Quem conhece as praias da Linha de Cascais, sabe que o fenómeno existe há mais de 30 anos. A única coisa que mudou foi o perfil dos guerreiros. Curiosamente, eles sempre vieram de zonas problemáticas da área metropolitana. Mas, até há 10 anos atrás, vieram das zonas perto da linha de Comboio. Agora, surgem das zonas contíguas às ligações de mobilidade possibilitadas pela expansão do metropolitano, e pelo interface Margem Sul - Cais do Sodré. Assim, aos guerreiros foi permitido caminhar do modo simples e rápido em percursos que no passado recente estavam desconectados, obrigavam a mudanças de transporte e eram caros. Digamos que a passagem dos guerreiros é um efeito colateral do progresso da rede pública de mobilidade, de que Lisboa tanto precisava. A aventura periodicamente violenta dos nossos guerreiros é também um problema de falta de investigação científica e técnica. No primeiro campo, o científico, precisamos que sociólogos, antropólogos e geógrafos, entre outros, nos encontrem, através de trabalho de terreno, respostas para alguns enigmas sociais estanques. Precisamos de saber porque é que numa praia onde cabem largos milhares de pessoas, apenas algumas exercem violência. Precisamos também de saber porque é que há mais violência nos transportes e praias de Lisboa e Cascais do que na Costa da Caparica. Precisamos igualmente de saber se os guerreiros são reincidentes ou se surgem sempre novos "wannabe". E precisamos finalmente de saber que relações os guerreiros têm entre si. Ao nível da investigação técnica, temos também um número considerável de questões a colocar. Por exemplo, no domínio dos transportes, será que passes de Verão, mais carruagens de comboio e portas fechadas entre carruagens poderiam dar contributos para a redução da violência e do crime? E outro tipo de equipamentos nas praias, iriam permitir concentrações e afastamentos que provocariam um clima de maior tranquilidade?
Em paralelo, obviamente que o trajecto de Verão dos nossos guerreiros é um problema maior de segurança. Os crimes são irrelevantes, mas a violência é tremenda, o que provoca um enorme sentimento de medo. Assim, causou - me especial surpresa que a recente operação policial nos transportes públicos tenha provocado uma atenção muito limitada dos canais de informação. Na verdade, as forças policiais fizeram o que tinham a fazer. O único modo de parar o percurso dos guerreiros é estar junto deles do começo, junto às suas casas, até ao destino final. E o único modo de lhes retirar o medo e a vontade de exibir capacidades é fazer -lhes sentir que não têm hipótese alguma de desvio. No fundo, é a aplicação a uma zona específica, transportes e praias, da teoria das janelas partidas. Assim, a operação policial limitada que foi feita tem de passar a ser sistemática, apoiada em boa informação. Não irá eliminar todos os actos de todos os guerreiros, mas irá mostrar -lhes que não estão em território sem Lei. O investimento policial no percurso dos guerreiros tem um fundamento muito poderoso. É que a manter -se o modo como os guerreiros viajam e apanham sol, irá acentuar - se ainda mais a clivagem social e étnica nos transportes públicos e praias da grande Lisboa que só percebe quem há mais de 20 anos os frequenta.
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