20091114
tipologia familiar
o bom velho "The Economist" - que continua a ser dos poucos a aguentar o embate com a informação em plataforma virtual - andava já atrás do assunto há uns meses. Na edição de 31 de Outubro último aproveitou para fazer um "briefing" sólido sobre o tema. Segundo os dados reunidos a um nível global, pela primeira vez na história metade da humanidade terá apenas uma taxa de fertilidade de 2.1 ou menos, ou seja aquele número mágico que permite a reprodução das famílias mas não satura o planeta, que, juram os especialistas, precisa de espaço como nunca. Esta originalidade reprodutiva histórica confirma alguns dados, em relação ao mundo desenvolvido, e é fruto de realidades novas, em relação ao mundo em desenvolvimento. Quanto ao primeiro, vem, mais uma vez, confirmar a tese de que quanto mais ricas e desenvolvidas as sociedades, isto é quanto mais a sua estrutura humana é constituída pela classe média, mais a tendência é para os agregados terem apenas um ou dois filhos. Quanto ao segundo, é sem dúvida uma mudança de paradigma. O alcance real muito recente do estatuto de classe média, por um número significativo de pessoas, da Ásia a África, faz que com que a taxa de fertilidade esteja a diminuir violentamente, caminhando, dizem os dados, para que nos próximos anos se chegue à referida taxa de 2.1. Os padrões causais maioritários estão mais ou menos identificados. Quanto mais enriquece uma população, isto é quanto mais se aburguesa, menos filhos gera. As razões para que tal esteja a acontecer, e aconteça há muito no mundo desenvolvido, são fascinantes, e merecem estudos mais aprofundados. De um modo muito primário, os dados indicam que há uma extinção da necessidade de segurança gerada por muitos filhos, dado que o poder económico e de conhecimento garante essa mesma segurança, num nível vasto de campos, do laboral ao habitacional. Por outro lado, as consequências são também, garantem mais uma vez os peritos, quase todas positivas. No mundo em desenvolvimento, é a primeira vez em muitos anos que as sociedades estão equilibradas - isto é a taxa de nascimentos e de idosos é inferior à da população activa - o que cria condições ideais para o desenvolvimento. No mundo desenvolvido, a taxa 2.1. mostra que os novos papéis sociais e produtivos das mulheres continuam a firmar - se no mundo social, caminhando para se constituírem como um paradigma definitivo, e que o abandono do mundo rural é praticamente definitivo. Na verdade, "The Economist", normalmente pouco dado a classificações mediáticas, chama - lhe "uma das mais dramáticas mudanças sociais da História" e parece ser esse o caso. Era tempo, realmente. Menos filhos significa, por exemplo, mais recursos financeiros familiares para um investimento em melhor educação, maior qualidade de vida generalizada, maior exigência e responsabilidade profissional, devido à diminuição da mão de obra disponível, maior capacidade de aquisição de bens secundários. E, claro, não esquecendo uma verdadeira hipótese sólida de o que é ser mulher passar a ser para sempre outra coisa do que foi até aqui. No entanto, a um nível emocional, há qualquer coisa de verdadeiramente triste nesta tipologia familiar padronizada de 2.1. O padrão faz, ou fará, com que na realidade só uma ou, na melhor das hipóteses, duas vezes se viva esse milagre feliz que é acompanhar de perto e em detalhe, com os milhares de experiências que implica, o nascimento e crescimento de um jovem selvagem. Implica igualmente um estado de vigilância alto e definitivo, porque perder um é perder tudo. Finalmente, implica a previsibilidade científica incómoda de que os nossos 2.1 ficarão pelos seus 2.1. Parece definitivamente eliminada a possibilidade daquele caos alegre que só uma casa cheia provoca.
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Deixo apenas uma ideia e uma questão:
ResponderEliminarNa natureza assiste-se à queda das taxas de natalidade quando determinado grupo de animais encontra à sua disposição menos alimentos. Aqui sucede exactamente o oposto; existe uma relação directa entre a melhoria do nível de vida e a queda da taxa de natalidade.
Parece-me no entato que as "razões egoístas" não podem ser as únicas causas para uma queda da taxa de fertilidade numa sociedade desenvolvida.
Tem-se assistido a uma elevada procura de métodos alternativos de fertilidade; as famílias continuam a querer ter filhos mas não conseguem.
Será que o tipo de vida de um indivíduo não é um condicionador da fertilidade? Será que não se assiste a um conjunto de alterações orgânicas - para além das "razões egoístas", motivadas pelo stress, alimentação, sedentarização, etc. deste tipo de sociedades?
att
Pedro Gama
sem dúvida, penso, que é uma hipótese muito forte. Como existem também outros factores poderosos a determinar uma mudança radical do que é a família. Penso que estamos ainda no princípio.
ResponderEliminarSoube-se há pouco também, o que, aliás, também é aqui referido, que pela 1ª vez na História é maior o nº de pessoas que vive nas cidades que no mundo rural.
ResponderEliminarEste novo dado é-lhe, no fundo, complementar e evidencia bem como o mundo em que vivemos está a mudar.
O novo paradigma tecnológico comunicacional que é a internet também o demonstra à evidência.
Que mudanças adaptativas se preparam para os nossos corpos?