20100201

Risco intenso para o escritor português

Circulam cada vez mais intensamente informações e algumas análises estratégicas sobre o que espera os escritores nos próximos anos. O pano de fundo para tanta incerteza é, obviamente, a revolução tecnológica em curso capaz de virar do avesso todo o processo de produção, e que ganhou algum aceleramento com a chegada do Ipad, a maravilha da Apple de potencial ainda não confirmado. Na verdade, como ainda esta semana John Lanchester escreve no "Financial Times" "ninguém sabe como isto vai funcionar". Várias equações, com fórmulas para as resolver ainda desconhecidas, estão a ser lançadas para as mesas dos envolvidos em todo o mundo, sendo que uma das mais importantes, e a única que tratamos neste texto, é a do cálculo das consequências da passagem do texto a produto digital. A equação poderá ser enunciada do seguinte modo: os leitores adoptam massivamente o texto em formato digital. Aplicando a mesma tendência cultural já estabilizada na música e no cinema, defendem que o produto deve ser gratuito. Aceitando estas duas variáveis como assentes e dominantes do mercado num futuro próximo, é necessário tentar desenhar as hipotéticas linhas mestras da revolução. Começando pelo fim da cadeia, uma extinção ou completa reinvenção das livrarias. No coração do processo de produção, uma diminuição radical do papel das gráficas e das distribuidoras. No centro da cadeia, uma desvalorização das editoras, e uma queda brutal das suas receitas, dando possivelmente origem a micro - empresas especializadas em serviços técnicos, como a detecção de novos talentos, a revisão e publicação nos vários formatos digitais dos textos, ou a "boutiques" com selo de qualidade, criado pelo valor no mercado dos autores que representam. Para o escritor, o cenário do futuro imediato parece ser ainda mais indistinto. À partida, com a eliminação do valor retido pela editora e pela distribuidora, poderá ver a sua margem de receita, que vai hoje dos 10 aos 36 por cento, chegar facilmente a números entre os 70 a 80 por cento. O problema é o de que estará completamente dependente do mercado, isto é do seu sucesso junto dos leitores. Neste ponto, é curioso notar algumas experiências, como os espectáculos em "tour" organizados por Malcolm Gladwell ou Lawrence Wright, que de algum modo tentam replicar o circuito dos concertos das bandas musicais, ou as campanhas de PR à volta de Dan Brown. Na verdade, para o escritor, as questões chave são duas. Se o texto for gratuito, como ganhar dinheiro com ele? E se o mercado ditar o texto, como fará um escritor que tem uma história para escrever, sabendo que esta não será acolhida pelo mainstream? Só pensar nas variáveis da equação é suficiente para perceber que dificilmente escaparemos à revolução num tempo muito próximo. O texto será cada vez mais um produto que será imposto ao mercado. Algumas intensas polémicas surgirão sobre as instâncias de validação que irão surgir para garantir a qualidade do texto ficcional, e o seu apoio através de algum tipo de mecenato. Num mercado pequeno, acorrentado e onde não se assumem as identidades da ficção como é o nosso, a incerteza será ainda mais acentuada, e o risco será muito intenso. 

4 comentários:

  1. Caro José,
    Não acredito e não conheço casos em que um determinado "sector" desapareça sem dar origem ou como consequência de um outro - diferente - que surge. Neste caso está aberto um novo nicho de mercado; todas as hipoteses que explora são possiveis, mas a figura das editoras/gráficas será certamente substituída por entidades virtuais, capazes de aglomerar nomes sonantes e com capacidade de promover quem representa. Deste modo não acredito que as margens para os criadores subam para valores de 70%, já que qt mais visitada for uma loja virtual maior será o caché q cobra para se lá estar. E quem não quer, chegará, qt muito, a nichos reduzidos.
    Talvez um pouco a metodologia usada pelas grandes superfícies relativamente às marcas que expõe.
    Abraços

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  2. caro pedro, muito interessante a sua visão, e penso que é uma hipótese muito forte. vamos ver como as coisas vão evoluir.

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  3. Porquê a sempiterna visão fatalista da desgraça? Os livros em papel nunca acabarão pois haverá sempre quem não dispense o toque, o cheiro, a felicidade que é folhear e ler um "verdadeiro" livro ... E porque é que isso não poderá conviver pacificamente com a edição digital?
    O escritor fica completamente dependente do mercado?! O que é que muda? Não é já o que acontece, com a agravante de este estar completamente dependente de editores, distribuidores e livreiros ??? Se calhar, a diferença está em abranger apenas o mercado português ou abarcar potencialmente o mundo inteiro (que inclui para um escritor de língua portuguesa o Brasil, etc.): provavelmente, mesmo com todas as dificuldades, o autor venderá mais na segunda hipótese que na primeira...

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